O Parque da Quinta das Devesas




Esta publicação é dedicada ao Parque da Quinta das Devesas. Como esse espaço é composto pelo antigo solar e seus jardins, pensamos em iniciar o artigo contando um pouco da história dos jardins de uso particular no nosso concelho.

O aparecimento dos jardins nas quintas e mosteiros gaienses

O território gaiense foi povoado, no passado, por um grande número de Quintas com seus respectivos jardins. De maior ou menor dimensão, limitando-se a um pequeno espaço verde ou estendendo-se por matas e bosques, compostas por maior ou menor variedade de exemplares botânicos, todas elas eram pertencentes a uma classe abastada que, sobretudo a partir do renascimento, procurou reproduzir, através dos jardins, uma certa ideia de paraíso na terra.

Na Idade Média o modo de apropriação do espaço exterior é ainda revelador de uma preocupação essencialmente utilitária, não existindo propriamente jardins. Era o horto que se encontrava no centro do ordenamento da paisagem, principalmente nos mosteiros, sendo aí que eram cultivados os legumes, as plantas e os frutos que asseguravam uma parte da alimentação diária, bem assim como as plantas medicinais ou de virtude, que davam resposta a uma série de mazelas, fossem elas de natureza física ou espiritual.

É sobretudo a partir da primeira metade do século XVI, e com o alvor do renascimento em Portugal, que os espaços exteriores dos mosteiros e das quintas senhoriais passam a obedecer a determinadas preocupações estéticas, tendo em vista a recreação dos sentidos, tarefa na qual procuravam imitar as "vilas" italianas. (Ilídio de Araújo, 1979)

Segundo Ilídio de Araújo, terá sido, aliás, o bispo de Viseu, D. Miguel da Silva, quem introduziu no reino a prática de embelezar os jardins com plantas ornamentais, entre os anos de 1527 e 1540 (Ilídio de Araújo, 1979). 

Lugar de evasão e de sonho ao alcance dos privilegiados, o espaço exterior das quintas e cenóbios começam, portanto, e a partir do século XVI, a ser embelezados com plantas ornamentais, muitas de natureza exótica provenientes das mãos dos navegadores envolvidos nos descobrimentos. Ofuscados pelas novidades, os hortos foram perdendo aos poucos a sua anterior centralidade, sendo remetidos progressivamente para lugares mais discretos.

Na construção dos jardins, e para além dos elementos vegetais, empregavam-se também uma série de outros recursos arquitectónicos. Como lembram Teresa Andersen e Teresa Marques , "Em Portugal os jardins começam a ser animados com fontes, chafarizes, tanques, bancos em pedra, alegretes, azulejos e embrechados, vasos, peanhas e elementos escultóricos (...)" (ANDERSEN; MARQUES, 2001: 21)

Tudo isto concorria para que o jardim suscitasse o desejado inebriamento dos sentidos e o arrebatamento da alma.  

Segundo Gonçalves Guimarães (GUIMARÃES, 1993), a primeira referência a um jardim em Vila Nova de Gaia data de 1549, encontrando-se presente no livro Geographia d´entre Douro e Minho e Trás-os-Montes, de João de Barros. Aí se refere que o Mosteiro de Vila Nova de Freiras de São Domingos, conhecido hoje como Convento de Corpus Christi, " (...) he mosteiro  de muitos jardins e agoas, e lugar muito fresco (...)" (GUIMARÃES, 1993: 15).

O mesmo autor refere, aliás, que até ao século XVII, pelo menos, são os conventos masculinos  (Grijó, Serra do Pilar, Santo António do Vale da Piedade, Congregação de Oliveira do Douro) que possuem os maiores jardins. (GUIMARÃES, 1993)

Parece assim que em Gaia, e pelo menos numa primeira fase, os grandes jardins são sobretudo da responsabilidade de instituições religiosas, que assim abrilhantavam os seus mosteiros e brévias, prática que se alargou depois, e de uma forma progressiva, às quintas da elite abastada.

Tal como sucedeu na cidade do Porto, foi sobretudo a partir do século XVIII que as quintas de recreio começaram a despontar em Vila Nova de Gaia. Foi em inícios do século XVIII, por exemplo, que a Quintas da Boucinha (Oliveira do Douro) e a Quinta de Santo Inácio de Fiães (Avintes), adoptaram uma faceta recreativa no qual os jardins assumiam um papel central. (ARAÚJO: 1979)

A Quinta das Devesas

É esse lado recreativo, aberto ao devaneio e à fruição estética, que vamos encontrar precisamente na Quinta das Devesas, com seus canteiros de camélias delimitados por rachões de pedra, as suas árvores exóticas de grande porte, as alamedas ladeadas de japoneiras antigas, as escadas de granito que vencem o desnível dos diversos socalcos, as esculturas, os lagos, sendo o de maior dimensão coroado por uma pequena ponte, os tanques, e mesmo uma gruta encimada por um mirante, num ambiente onírico que nos convida a esquecer a passagem do tempo. 

Lago com escultura no jardim da ala norte rodeado por canteiros de japoneiras



Estátua do pequeno lago no jardim da ala norte

Vistas para o Porto do jardim da ala norte. À esquerda pode ver-se uma Camellia sasanqua (cremos que a única do Parque), já florida, enquanto à direita vislumbram-se vários exemplares de Camellia japonica L. (chamadas japoneiras)



Alameda ladeada de japoneiras


O lago grande encimado por uma pequena ponte


Outra perspectiva do lago e da ponte


Pelas escadas de pedra temos acesso aos diversos socalcos do jardim das camélias


A pequena gruta e a escadaria que dá acesso ao mirante 


Perspectiva do mirante que encima a gruta


Tanque de pedra com a presença, num canto, da planta do papiro (cyperus papyrus)


A Quinta das Devesas, ou do Estado, como também é conhecida, fica situada na freguesia de Santa Marinha, com entrada pela Rua Leonor de Freitas, bem perto da estação de comboios das Devesas. 



A entrada do Parque da Quinta das Devesas vista da Rua Leonor de Freitas. Repare-se no grande tulipeiro que se ergue junto ao portão. Em primeiro plano surgem as instalações da firma Barros, Almeida & C.ª 


A Quinta, na verdade, já não existe, encontrando-se reduzida ao solar, hoje em ruínas, e os seus jardins, actualmente transformados no Parque da Quinta das Devesas, um equipamento municipal aberto ao público. 

Fachada do solar virada a norte. É evidente o estado degradado em que se encontra


Escultura da escadaria de acesso ao solar


Antigamente, contudo, a propriedade estendia-se por uma vasta área, englobando, por exemplo, os terrenos onde está implantada a actual estação das Devesas, para sul, os armazéns da Cockburns, para norte, ou os armazéns da Porto Barros, para nascente. No actual Parque da Quinta das Devesas encontram-se algumas fotografias de autoria de Frederick William Flower (1815-1899), fotógrafo escocês e pioneiro da fotografia no nosso país, onde é possível vislumbrar a dimensão que a Quinta outrora teve.


Fotografia de Frederick William Flower da Quinta das Devesas cerca de 1853. Ao fundo vê-se a cidade do Porto. Fotografia obtida do livro "Ensaio sobre as Camélias" de Nuno Gomes Oliveira


Segundo Gonçalves Guimarães, a Quinta, "(...) antes de ser retalhada pela construção da Estação do Caminho de Ferro a Sul, pelo caminho público que a atravessa de Leste para Oeste (antiga rua Nova das Devesas; depois rua D. Leonor de Freitas) e pela construção de muitos armazéns de Vinho do Porto voltados para a Calçada das Freiras (rua Serpa Pinto) ou para as Azenhas, ocupava toda uma enconsta suave voltada a norte e para o rio Douro e era composta por uma extensa área com terrenos lavradios, vinha, pomares e hortas." (GUIMARÃES, 2002: 13)



Painel do Parque da Quinta das Devesas assinalando num mapa de meados do século XIX a localização da Quinta


O primeiro dono conhecido desta propriedade era, por alturas de 1779, João de Faria e Gouveia, fidalgo da Casa Real, casado com D. Leonor Luísa de Freitas. (OLIVEIRA, 2013). O nome desta mulher seria mais tarde atribuído à rua que limita o Parque da Quinta das Devesas a norte. 

Após a morte do marido, em 1821, D. Leonor pasou a ser a única proprietária da Quinta das Devesas. Mais tarde, em 1842, e dado que a sua filha não deixou descendentes, transmitiu todos os seus bens à sua sobrinha, D. Mariana Vitória Pinto (1798-1872) que se casaria, por sua vez, com António Borges de Castro (1814-1884). Este homem, para além de ter sido presidente da Câmara de Gaia entre os anos de 1856 a 1857, foi também o primeiro e único visconde das Devesas, por decreto real passado por D. Luís I no ano de 1879.

No início da segunda metade do século XIX o antigo solar foi renovado, adquirindo o aspecto que ainda hoje mantém. Na fotografia seguinte é possível observar-se o aspecto que a casa tinha antigamente.


Fotografia de Frederick W. Flower da Quinta das Devesas em meados do século XIX presente num quadro informativo do actual Parque. A seta vermelha assinala os armazéns do Vinho do Porto ainda existentes na actual Rua Serpa Pinto, enquanto que a seta azul identifica a capela, à beira do antigo solar.


Sem descendentes, os bens do visconde das Devesas passaram para a sua sobrinha, D. Maria da Conceição Bandeira de Castro. Esta era casada, por sua vez, com Francisco Pereira Pinto de Lemos, a quem foi atribuído o título de conde das Devesas por parte do rei D. Carlos, no ano de 1890. 

Brasão do conde das Devesas. Imagem retirada do livro "Ensaio sobre as Camélias", de autoria de Nuno Gomes Oliveira


O conde das Devesas viria a falecer na sua própria quinta, em 1916, sendo sucedido no título pelo seu filho mais velho, Alfredo Pereira Pinto de Lemos (1875-1945), o segundo conde das Devesas e um dos fundadores da Misericórdia de Vila Nova de Gaia e seu primeiro provedor. 

Com a morte do 2º conde das Devesas o título passou para o seu irmão mais novo, Hernâni Carlos Pinto de Castro Lemos, o terceiro e último conde das Devesas. Falecido no ano de 1965, legou um terço da Quinta das Devesas à Misericórdia de Gaia e os outros dois terços, assim como o usufruto de toda a propriedade, às suas cunhadas, então viúvas, D. Maria Amélia Feyo de Oliveira Leite de Castro Lemos e D. Camila Machado dos Santos de Castro Lemos, esta viúva do 2º conde das Devesas. 

Da esquerda para a direita o 1º, o 2º e o 3º conde das Devesas. Fotografias obtidas no livro "Ensaio sobre as Camélias" de Nuno Gomes Oliveira


Em 1866 as duas cunhadas legam os seus direitos na propriedade à Santa Casa da Misericórdia de Gaia, reservando, porém, a possibilidade de continuarem a habitar o solar e a usufruir dos seus jardins até à data da sua morte.

No entanto, e segundo nos informa Nuno Gomes de Oliveira (OLIVEIRA, 2013), o caso veio a complicar-se sobremaneira, já que a última residente do solar, D. Maria Amélia, que viria a falecer em 1976, com 96 anos, doou em testamento o recheio do solar a Joaquim Correia de Sousa, seu cuidador, o que originou um conflito com a Misericórdia. 

A chave do solar seria enfim entregue por Joaquim Correia de Sousa à misericórdia gaiense em 1979, embora sem o seu valioso recheio, composto, entre muitos outros bens, por originais do Mestre Teixeira Lopes. 

O solar ficou completamente desabitado e a degradar-se durante 10 anos, mais precisamente entre 1976 e 1986. Nessa altura, um protocolo efectuado entre a misericórdia e a autarquia gaiense permitiu colocar dois funcionários a residir nos anexos da casa, de forma a zelarem pela vigilância e pela manutenção do solar e dos seus jardins. Diz-nos Nuno Gomes de Oliveira que ainda lá residiam em 2012, embora seja claro que não cumpriram as funções a que estavam obrigados, deixando que os edifícios e seus jardins se degradassem imenso.


A fachada do solar virada a sul



Aspecto actual da capela do solar da antiga Quinta das Devesas



Mas não foram eles os únicos responsáveis. Como nos lembra Nuno Gomes de Oliveira, "A firma vizinha, Barros, Almeida e C.ª contribuiu muito para a degradação dos jardins, pelo lançamento de esgotos nos jardins e pela realização de uma série de obras de captação de água, e outras, que destruíram construções, exemplares de Camélias e minas de água; teme-se que tenham afetado seriamente as raízes do Tulipeiro (...), com 34 metros de altura, existente à entrada." (OLIVEIRA, 2013: 10)

Actualmente a Quinta encontra-se na posse da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia por escritura de 11/03/2009. Em 2012 a Câmara encarregou o Parque Biológico de Gaia de recuperar os jardins da antiga propriedade e transformá-los num parque público. Como nos jardins foram encontradas diversas japoneiras, inclusive uma denominada de Conde das Devesas, decidiu-se transformar o futuro parque num parque das camélias.

Todo este processo encontra-se relatado no livro Ensaio sobre as camélias (OLIVEIRA, 2013), da autoria de Nuno Gomes Oliveira, um dos principais responsáveis pela criação do referido parque e director do Parque Biológico de Gaia. 

Imagem retirada do site do Parque Biológico de Gaia


As Camélias em Vila Nova de Gaia 

O Parque da Quinta das Devesas alberga hoje várias dezenas de cameleiras ou japonesas (Camélia japónica L.), arbusto ou árvore de folhagem permanente e de copa arredondada que pode atingir os 15 metros de altura, e que se espalham pelos diversos canteiros dos seus jardins. Nada mais apropriado, aliás, já que se acredita que em toda a Europa, Vila Nova de Gaia foi o primeiro local a receber esta planta originária do sudeste asiático, ainda no século XVI.

Canteiro de japoneiras juvenis


É pelo menos o que diz, num estudo datado de 1959, o investigador americano Frederick Gustav Meyer, "The old camellia trees at the Villa Nova de Gaya in Oporto, evidence indicates, are the oldest specimens of Camellia japonica in cultivation yet recorded in Europe." (MEYER, 1959: 64)

Meyer refere especificamente três japoneiras vindas do Japão e plantadas em meados do século XVI na Quinta de Campo Belo (Santa Marinha), há cerca de 470 anos, como os primeiros exemplares europeus desta espécie, observação que fez recuar então cerca de 200 anos a data da introdução estimada desta planta no velho continente, lembrando, a este propósito, que os primeiros contactos registados entre Portugal e o Japão datam de 1542. 

As japoneiras plantadas ainda no século XVI na Quinta de Campo Belo
Fotografia retirada do artigo de Frederick Meyer e de autoria de Teófilo Rego


Dessas três camélias, e como observou em 2013 Nuno Gomes de Oliveira, em visita ao local, já apenas restam duas.

Em 2013 apenas restavam duas das japoneiras originais. Fotografia obtida no livro "Ensaio sobre as Camélias", de Nuno Gomes Oliveira


"Não é, pois, nada de estranho que as primeiras Camélias plantadas na Europa o tenham sido na Quinta de Campo Belo, que tem uma ocupação muito antiga, provavelmente anterior ao século XV, tendo ali falecido em 1604 D. Domingos de Távora, referenciado como 7º senhor da Quinta de Campo Belo, cujo filho, Martim de Távora e Noronha foi capitão de naus da Índia, tendo falecido, também na Quinta de Campo Belo, em 1644. Acresce que as famílias Távora, Noronha e Campos tiveram muitos membros envolvidos nas viagens ao Oriente, desde muito cedo." (OLIVEIRA, 2013: 33)

É certo que é muito complicado perceber o local exacto onde foram plantadas as primeiras japoneiras na Europa. Do que não resta dúvida, contudo, é que Vila Nova de Gaia foi, senão o primeiro, pelo menos um dos dos primeiros locais do velho continente a receber esta planta.  

As camélias do Parque da Quinta das Devesas

Nos jardins do Parque da Quinta das Devesas existem muitas japoneiras que são da colecção original do conde das Devesas, sendo portanto já muito antigas, seguramente com mais de 100 anos. Muitas destas plantas, como as identificadas nas duas próximas fotografias, foram obtidas ou divulgadas entre nós por José Marques Loureiro (1830-1898), horticultor, floricultor e criador do chamado Horto das Virtudes, no Porto.


Na altura da realização deste artigo (Setembro e Outubro) as japoneiras ainda não estavam floridas pelo que tivemos que recorrer às imagens dos painéis do Parque





O papel exercido por José Marques Loureiro no campo da horticultura e da floricultura é de fundamental importância. Criador, com suas experiências, de novas variedades de flores, como as camélias, foi também um enorme divulgador da horticultura, publicando desde 1870 e até 1892 o Jornal de Horticultura Prática, de que era proprietário, para além de ter participado com as suas plantas em diversas exposições.


Capa do 1º número do Jornal de Horticultura Prática de José Marques Loureiro. Imagem obtida no site da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto


José Marques Loureiro foi convidado ainda a desenhar uma série de jardins, tanto particulares como públicos, como o jardim da Cordoaria, no Porto, embelezando com seu labor o espaço público e assim ajudando a cimentar na consciência social a importância dos espaços verdes para a fruição da cidade.  

Em 1904, e em jeito de homenagem a José Marques Loureiro, foi inaugurada no jardim da Cordoaria uma estátua de bronze de autoria do mestre António Teixeira Lopes intitulada "Flora". Esta Flora, figura feminina que representa, na mitologia da antiga Roma, a deusa responsável pela floração na Primavera, assenta num pedestal em pedra que era decorado, em tempos, por um medalhão de bronze com a efígie do eminente horticultor. Infelizmente esse medalhão foi roubado já há algum tempo, encontrando-se a obra de arte mutilada desde então.

Estátua de Flora, de autoria de António Teixeira Lopes em homenagem a Marques Loureiro. Imagem obtida no site Porto XXI




O medalhão que entretanto foi roubado. Foto de Manuela D.L. Ramos em tempos publicada no blog Dias com Árvores



Para além das antigas cameleiras do Conde das Devesas e das variedades ligadas a José Marques Loureiro, o Parque da Quinta das Devesas apresenta também muitas variedades de japoneiras fruto do labor de Alfredo Moreira da Silva (neto), cujo avô, seu homónimo, foi um dos grandes floricultores nacionais do século XX e de quem iremos falar em pormenor mais à frente. Aqui ficam dois exemplos:







Foram também plantadas no parque variedades de japoneiras que foram obtidas na Quinta de Santo Inácio de Fiães (local onde actualmente funciona o Zoo Santo Inácio), em Avintes, que no século XIX funcionou como um autêntico laboratório botânico, e desde 1773 pertencente à família Van Zeller. 

Em 1892, A. de Almeida publica no Jornal de Horticultura Prática, de José Marques Loureiro, uma lista das camélias então existentes na Quinta de Fiães, identificando 35 variedades distintas. (OLIVEIRA, 2013)







Árvores notáveis do parque da quinta das Devesas

Mas nem só de camélias se faz a beleza dos jardins do solar da Quinta das Devesas. Diversas árvores, já do tempo do conde das Devesas, contribuem para a singularidade deste espaço. Entre elas é de destacar o enorme tulipeiro que se ergue logo à entrada do parque. Com cerca de 34 metros de altura, é um verdadeiro espanto, tal como a palmeira-de-saia que se encontra logo ao seu lado. 

Tulipeiro (liriodendron tulipifera)
Por detrás, e meio escondida, ainda se consegue entrever a palmeira-de-saia (washingtonia filifera)



Outra perspectiva do tulipeiro



Perspectiva da Palmeira-de-Saia (washingtonia filifera)


O caminho que faz a ligação entre o jardim do lado norte e o jardim da ala sul


No jardim virado a sul encontra-se uma enorme canforeira, perto do local onde se erguem outras árvores também da época do conde das Devesas, como uma magnólia de folha permanente e outra de folha caduca ou ainda uma araucária de Norfolk. 


Canforeira (cinnamomum camphora)

A copa frondosa da magnólia de folha permanente (magnolia grandiflora)

Bela magnólia de folha caduca (magnolia x soulangeana)


Araucária de Norfolk (araucaria heterophylia)



Alfredo Moreira da Silva

Gostaríamos de terminar esta publicação, e aproveitando o facto das camélias de um dos canteiros do jardim do Parque da Quinta das Devesas ser proveniente da firma Alfredo Moreira da Silva & Filhos, Ld.ª, para falar dessa figura maior da floricultura e horticultura gaiense.

O cartaz que assinala o canteiro de japoneiras oferecida pela empresa Alfredo Moreira da Silva & Filhos, Lda. ao Parque da Quinta das Devesas


Perspectiva do canteiro de japoneiras oferecido pela empresa Alfredo Moreira da Silva & Filhos, Lda.


Nascido em 1859 em Grijó, Alfredo Moreira da Silva começou a trabalhar na Quinta das Virtudes, no Porto, sob orientação de José Marques Loureiro. Já na posse dos conhecimentos considerados necessários para se lançar num empreendimento por conta própria, aluga em Grijó, em 1894, no largo da Senhora da Graça (lugar de Corveiros), uma quinta, para aí construir um viveiro, expandindo o seu negócio para a cidade do Porto logo no ano seguinte. 


Alfredo Moreira da Silva com sua esposa. Imagem obtida no blog "Memórias Gaienses"


O acréscimo de encomendas obrigam-no a aumentar o espaço dos seus hortos. Assim, aluga em 1911 a quinta da Pena, em Perosinho, e, mais tarde, a Quinta da Revolta, em Campanhã, passando então a deter um dos maiores hortos agrícolas da Península Ibérica.

Alfredo das Rosas, como passou a ser conhecido devido ao extraordinário trabalho que desenvolveu com as suas criações híbridas de rosas (um termo cunhado por António Bernardo Ferreira, filho da Ferreirinha), começou a ser conhecido não apenas a nível nacional mas também internacionalmente, sendo os seus viveiros de plantas frequentados pela elite endinheirada e por diversos artistas. 

"Destes viveiros saíram centenas de roseiras, arbustos, árvores frutíferas, florestais e ornamentais com que Alfredo Moreira da Silva povoou pomares, jardins, parques e praças de todo o país, de Melgaço a Vila Real de Santo António, da Beira Litoral aos confins do Alentejo ou das Beiras, em todas as estações de caminho-de-ferro (...), ao longo das estradas, em jardins públicos e particulares. (CORDEIRO, 1999)

O seu sucesso leva-o a participar em exposições com as suas criações de norte a sul do país, sensibilizando as pessoas para os cuidados a ter com as plantas ou os frutos, recebendo ao mesmo tempo diversos prémios e galardões. 

Muitas destas exposições foram aliás documentadas pelo fotógrafo Aurélio da Paz dos Reis, numa época em que, como recorda José Manuel Lopes Cordeiro, " (...) os portugueses entretinham com a natureza, e em particular com as flores, uma intensa relação de culto, diríamos, de autêntica paixão." (CORDEIRO, 1999)

Diz-nos David Pedrosa que, "(...) são de facto as exposições anuais em Lisboa, de flores na Primavera, e de frutos no Outono, que verdadeiramente projectam a casa Alfredo Moreira da Silva. No Palácio de Cristal, na nave holandesa, esse maravilhoso pavilhão, obra de ferro forjado, que a ignorância permitiu fosse destruída, ficaram célebres e a recordar as exposições de flores que anunciavam a Primavera, acontecimento que enchia as primeiras páginas da nossa imprensa." (PEDROSA, 1984: 14)

O seu trabalho é por fim reconhecido pelo governo, ainda na primeira república, sendo-lhe atribuído o Oficialato de Mérito Agrícola e, mais tarde, o título de comendador da mesma Ordem. 

No final da década de 20 Alfredo Moreira da Silva colabora na elaboração do Jardim do Morro, localizado no sopé da Serra do Pilar e um dos espaços verdes mais conhecidos do concelho gaiense. Morre em 1932, com 73 anos.   

O negócio de Alfredo Moreira da Silva seria continuado com sucesso pela família até aos dias de hoje. A empresa Viveiros Alfredo Moreira da Silva & Filhos Lda. continua a deter os hortos da Quinta da Revolta e de Grijó, assim como outros nos concelhos de Mira e Coimbra, mantendo a conhecida divisa da empresa, "Plantai as nossas árvores e colhereis os melhores frutos."

Estes espaços são o testemunho visível do labor de Alfredo Moreira da Silva, um homem que revolucionou os métodos de cultivo e de tratamento de diversos tipos de plantas e árvores, sensibilizando as pessoas para a adopção de uma relação de respeito com a natureza, educando-as para a sua fruição estética, em linha com o que havia feito, aliás, o seu mestre, José Marques Loureiro. 

Entre a lista de descendentes de Alfredo Moreira da Silva merece destaque o seu neto (1902-1971), que com o seu avô compartilhava o mesmo nome. As suas rosas e camélias permitiram-lhe granjear grande reconhecimento internacional, coleccionando uma série impressionante de prémios e prestígio. Os jardins do Parque da Quinta das Devesas albergam, como dissemos atrás, diversas camélias da sua autoria, ajudando assim a resgatar o seu nome de um certo anonimato em que se encontra.  


Bibliografia

ANDERSEN, Teresa, MARQUES, Teresa Portela - Jardins históricos do Porto. Lisboa: Inapa, 2001.

ARAÚJO, Ilídio de - Jardins, parques e quintas de recreio no aro do Porto. Porto: [s.n.], 1979. Separata da Revista de História. Volume II. Centro de História da Universidade do Porto. 

CORDEIRO, José Manuel Lopes - "O Alfredo das Rosas". In: Jornal Público. 28 de Março de 1999. DIsponível em: <https://www.publico.pt/1999/03/28/jornal/o-alfredo-das-rosas-131445>

GUIMARÃES, Gonçalves - "Jardins de Vila Nova de Gaia: breve bosquejo histórico". In: Boletim da Associação Cultural dos Amigos de Gaia.  Nº 36. Dezembro de 1993. 

GUIMARÃES, Gonçalves - "Títulos nobiliárquicos de Vila Nova de Gaia V/VI: visconde das Devesas: condes das Devesas". In: Boletim da Associação Cultural dos Amigos de Gaia. Nº 54. Junho de 2002. Vol. p. 13-19. 

MEYER, Frederick Gustav - Plant explorations: ornamentals in Italy, Southern France, Spain, Portugal, England and Scotland. [S.l.]: U.S. Departament of Agriculture, 1959. Disponível em: <https://archive.org/stream/plantexploration349meye#page/n0/mode/2up>

OLIVEIRA, Nuno Gomes - Ensaio sobre as camélias e o Parque da Quinta do Conde das Devesas. Vila Nova de Gaia: Águas e Parque Biológico de Gaia, 2013. 

PEDROSA, David - "Alfredo Moreira da Silva: pioneiro de uma família de floricultores ilustres". In: Boletim da Associação Cultural dos Amigos de Gaia. Nº 17. Dezembro de 1984.  pp. 13-17. 

Comentários

  1. Adorei Pedro, um belo trabalho sobre um espaço lindo, fiquei curiosa!

    ResponderEliminar
  2. Visitei há cerca de um mês com arquitecta paisagista no grupo da «ACER».Lindos jardins,que precisam de melhor tratamento.Muitas e bonitas camélias.Palacete em destruição.Uma vista excelente sobre o rio Douro.Esperemos que a Câmara faça o que lhe compete para a melhoria deste «monumento público».

    ResponderEliminar

Enviar um comentário