Manuel Marques Gomes (1866-1932), hoje considerada uma figura maior de Canidelo, nasceu no seio de uma família pobre que habitava perto da Igreja matriz desta freguesia. Apesar do contexto economicamente desfavorável em que nasceu, conseguiu com o seu trabalho amealhar uma fortuna considerável que colocou à disposição de uma série de empreendimentos sociais, culturais e desportivos que em muito beneficiaram Canidelo e o concelho de Vila Nova de Gaia. É a sua história que neste texto queremos contar.
Nascido no lugar do Paço (Canidelo) em 15 de Novembro de 1866, era filho de Albino Marques Gomes, pescador de Matosinhos que veio viver para Gaia depois do casamento, e de Ermelinda Rodrigues Ferreira.
Com a morte prematura dos seus pais, ele e seus dois irmãos ficaram a cargo de D. Ana Moreira, que os criou na sua casa da Quinta das Heras, situada no lugar de Chouselas.
Busto de Marques Gomes de autoria do escultor Daniel Silva |
Certidão de nascimento de Manuel Marques Gomes
Arquivo Distrital do Porto - Livro de Baptismos de Canidelo (1866)
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Com a morte prematura dos seus pais, ele e seus dois irmãos ficaram a cargo de D. Ana Moreira, que os criou na sua casa da Quinta das Heras, situada no lugar de Chouselas.
A Quinta das Heras |
Ainda novo iniciou-se na profissão de tanoeiro, depois de ter frequentado a instrução primária, e, aos dezoito anos, dando expressão à personalidade irrequieta e ambiciosa que o definia, emigra para o Brasil, para a cidade de Belém do Pará, onde ficou empregado como marçano numa firma comercial denominada Nunes de Almeida & C.ª.
Empreendedor nato, mudou posteriormente para uma outra empresa, onde foi subindo na hierarquia até ao posto de gerente, comprando mais tarde a própria firma e mudando-lhe o nome para Marques Gomes & C.ª. Esta empresa dedicava-se à exportação para Portugal de produtos brasileiros, como o café, a aguardente ou o açúcar, assim como à importação de vinhos portugueses para o Brasil, demonstrando ser uma aposta certa, dados os elevados lucros obtidos.
Empreendedor nato, mudou posteriormente para uma outra empresa, onde foi subindo na hierarquia até ao posto de gerente, comprando mais tarde a própria firma e mudando-lhe o nome para Marques Gomes & C.ª. Esta empresa dedicava-se à exportação para Portugal de produtos brasileiros, como o café, a aguardente ou o açúcar, assim como à importação de vinhos portugueses para o Brasil, demonstrando ser uma aposta certa, dados os elevados lucros obtidos.
Mas os negócios brasileiros de Marques Gomes não ficaram por aqui. Através do casamento, em 1891, com Rosalina dos Santos, descendente de uma família também emigrada no Brasil com interesses na área do transporte fluvial e marítimo, Marques Gomes reuniu as condições que lhe permitiram criar mais tarde a Empresa de Navegação do Grão-Pará.
A Empresa de Navegação do Grão-Pará inseriu-se estrategicamente no contexto do chamado primeiro ciclo da borracha (1879-1912), garantindo o transporte dessa matéria-prima, através do rio Amazonas, desde os seringais existentes na bacia amazónica até aos portos brasileiros, através dos quais era exportada.
Tudo corria a seu favor. As empresas cresciam e Marques Gomes tornava-se cada vez mais abastado, tendo alcançado um enorme prestígio no seio da sociedade amazónica. Foi com a ajuda do seu dinheiro, por exemplo, que o hospital da Ordem Terceira de São Francisco, em Belém do Pará, foi ampliado, o mesmo acontecendo com o hospital da Beneficiente Portuguesa, este localizado em Manaus. Foi ainda um activo colaborador do Grémio Literário e Recreativo Português, a cuja direcção pertencia.
Em 1899, e com apenas 33 anos, Marques Gomes deixa o Brasil e regressa a Portugal. Aqui chegado permaneceu ligado ao mundo dos negócios, tomando parte na firma Bento & Cunha e C.ª, com sede em Matosinhos e dedicada à exportação de vinhos portugueses para o Brasil.
Em 1901 compra, na Alumiara, a Quinta do Montado, como era então conhecida, lugar onde, em 1904, constrói a sua casa. No século XIX aquele mesmo local chegou a ser ocupado por uma unidade agrícola, denominada de Quinta de D. Rosa.
A escolha da colina da Alumiara para sua residência não terá sido alheia ao dramático efeito cénico possibilitado por aquela elevação natural. Afastada de qualquer outra construção, a casa preside de forma altiva ao seu meio envolvente, impondo a sua presença de modo teatral, dando expressão a uma noção clara de poder e afirmação.
A escolha da colina da Alumiara para sua residência não terá sido alheia ao dramático efeito cénico possibilitado por aquela elevação natural. Afastada de qualquer outra construção, a casa preside de forma altiva ao seu meio envolvente, impondo a sua presença de modo teatral, dando expressão a uma noção clara de poder e afirmação.
A solidão do Palacete no alto da colina
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Importa dar nota aqui que muito recentemente, em 2015, a editora Dafne publicou um livro da autoria do arquitecto Domingos Tavares acerca do Palacete Marques Gomes, como ficou a ser conhecida esta casa. Sugerimos a leitura deste livro a quem estiver interessado em aprofundar os seus conhecimentos acerca do imóvel.
O desenho do palacete terá muito possivelmente ficado a cargo do arquitecto António Correia da Silva (1880-1963), um homem que, depois de formado em Arquitectura Civil pela Academia Portuense de Belas Artes, foi para Paris aprofundar os seus estudos na École des Beaux-Arts, num percurso aliás idêntico ao de outros colegas da sua geração.
O Arq. António Correia da Silva. Fotografia: Universidade do Porto |
Correia da Silva foi o arquitecto que desenhou alguns dos edifícios mais emblemáticos da cidade do Porto, como a Câmara Municipal ou o Mercado do Bolhão, tendo recebido igualmente diversas encomendas de pessoas oriundas da burguesia endinheirada da região, como terá sido o caso de Marques Gomes.
O autor do projecto do palacete, "(...) respeitou o sentido da encomenda, produzindo uma arquitectura de grande efeito cénico, em resposta à vontade de demonstração de poder do cliente. Para isso, serviu-se de um ecletismo de sugestão francesa próximo do método das Beaux-Arts, conferindo-lhe a aparência de um château da nobreza tardia da Borgonha, mas com um génio de invenção e uma vivacidade formal, num somatório de elementos construtivos colhidos na lição dos clássicos, que conferem à obra a ideia simultânea de unidade e complexidade. Porque sujeita à agressividade dos ventos marítimos, dominantes do noroeste, surgiu a urgência de cercar a casa com a mata envolvente, tornada mais próxima, e neste caso rica de espécies de folha permanente, conferindo à construção entrevista alguma noção de distância e mistério." (TAVARES: 2015, 64)
A casa foi construída em alvenaria de pedra, matéria-prima proveniente das pedreiras da Madalena, e em diversas divisões, sobretudo as térreas, os pavimentos foram concebidos em mosaico hidráulico, enquanto as paredes se encontravam revestidas de azulejos.
Fachada sul do Palacete Marques Gomes |
"Prestando homenagem à tradição da indústria cerâmica em Vila Nova de Gaia, o palacete surgia como uma espécie de mostruário de variedades e cores destes componentes decorativos (...) É possível identificar todos os padrões, que figuram no catálogo de 1910 da Fábrica das Devesas, de António Almeida da Costa & C.ª." (TAVARES: 1915, 102)
É pois curioso observar como grande parte das matérias com que a casa foi erguida e decorada (como a pedra, o mosaico hidráulico ou os azulejos) tiveram origem no próprio concelho gaiense. A casa funcionava assim como embaixadora das virtudes e qualidades da território onde se inseria, o que é revelador do programa conceptual de Marques Gomes de exaltação dos atributos da sua terra natal.
É pois curioso observar como grande parte das matérias com que a casa foi erguida e decorada (como a pedra, o mosaico hidráulico ou os azulejos) tiveram origem no próprio concelho gaiense. A casa funcionava assim como embaixadora das virtudes e qualidades da território onde se inseria, o que é revelador do programa conceptual de Marques Gomes de exaltação dos atributos da sua terra natal.
De referir também a contribuição do conhecido artista-estucador José Meira na decoração dos tectos trabalhados em gesso, como bem lembra J. Costa Gomes (GOMES: 1992).
O palacete desdobra-se por um piso térreo, um nível intermédio, que pode ser considerado o mais nobre da casa, e um piso superior, respeitante à mansarda ou águas-furtadas. Assim, e seguindo a informação proveniente do livro do arquitecto Domingos Tavares a que já fizemos referência, o piso térreo era ocupado maioritariamente por divisões destinadas aos serviços domésticos, como as cozinhas, os arrumos, a despensa ou mesmo os quartos dos criados. Mas era também o piso onde se desenrolava uma parte importante da vida quotidiana dos proprietários da casa, estando aí localizada, por exemplo, a sala de jantar.
O piso principal, por sua vez, era ocupado pelas divisões destinadas à recepção de visitas, ao convívio social ou às reuniões de negócios. Era nesse piso que ficava localizado o salão de jantar, o salão de visitas, a sala de fumo, a biblioteca ou o gabinete de Manuel Marques Gomes. Mas era igualmente este o andar onde se localizavam os aposentos privados da senhora da casa, com direito a uma antecâmara e a quarto particular.
O último piso, entretanto, estava reservado para o quarto e salão das meninas, no lado poente, dos pais, no lado nascente, e dos meninos, no lado sul. Note-se que o casal teve um total de 16 filhos, um número absolutamente espantoso para os dias de hoje. No seu todo o palacete era composto por cerca de 45 divisões, o que dá uma ideia do tamanho do imóvel.
Acima de tudo, Manuel Marques Gomes conseguiu estabelecer uma interessante simbiose entre a sua unidade residencial, o terreno agrícola (que, ainda que de pequena dimensão, era composto por vinha, adegas, vacaria, assim como espaços reservados para a criação de aves, porcos e coelhos), a mata, com abundantes exemplares de espécies exóticas, e um conjunto de edificações reservadas às suas iniciativas empresariais, como uma Fábrica de Conservas de Peixe ou os Armazéns de Vinhos Generosos e Velhos, uma estrutura que, aproveitando a proximidade do rio Douro, dava apoio ao seu negócio de exportação vinícola.
O palacete desdobra-se por um piso térreo, um nível intermédio, que pode ser considerado o mais nobre da casa, e um piso superior, respeitante à mansarda ou águas-furtadas. Assim, e seguindo a informação proveniente do livro do arquitecto Domingos Tavares a que já fizemos referência, o piso térreo era ocupado maioritariamente por divisões destinadas aos serviços domésticos, como as cozinhas, os arrumos, a despensa ou mesmo os quartos dos criados. Mas era também o piso onde se desenrolava uma parte importante da vida quotidiana dos proprietários da casa, estando aí localizada, por exemplo, a sala de jantar.
O piso principal, por sua vez, era ocupado pelas divisões destinadas à recepção de visitas, ao convívio social ou às reuniões de negócios. Era nesse piso que ficava localizado o salão de jantar, o salão de visitas, a sala de fumo, a biblioteca ou o gabinete de Manuel Marques Gomes. Mas era igualmente este o andar onde se localizavam os aposentos privados da senhora da casa, com direito a uma antecâmara e a quarto particular.
O último piso, entretanto, estava reservado para o quarto e salão das meninas, no lado poente, dos pais, no lado nascente, e dos meninos, no lado sul. Note-se que o casal teve um total de 16 filhos, um número absolutamente espantoso para os dias de hoje. No seu todo o palacete era composto por cerca de 45 divisões, o que dá uma ideia do tamanho do imóvel.
Acima de tudo, Manuel Marques Gomes conseguiu estabelecer uma interessante simbiose entre a sua unidade residencial, o terreno agrícola (que, ainda que de pequena dimensão, era composto por vinha, adegas, vacaria, assim como espaços reservados para a criação de aves, porcos e coelhos), a mata, com abundantes exemplares de espécies exóticas, e um conjunto de edificações reservadas às suas iniciativas empresariais, como uma Fábrica de Conservas de Peixe ou os Armazéns de Vinhos Generosos e Velhos, uma estrutura que, aproveitando a proximidade do rio Douro, dava apoio ao seu negócio de exportação vinícola.
Painel de azulejos, ainda hoje existente, no local por onde se acedia à Fábrica de Conservas de Manuel Marques Gomes |
Aspecto actual do local por onde se fazia o acesso à Fábrica de Conservas, na Rua Manuel Marques Gomes |
Marques Gomes ainda submeteu à Câmara Municipal de Gaia um projecto para a construção de uma fábrica de cerâmica mas que nunca chegou a concluir. De resto, e num espaço a nascente mas já fora da sua propriedade, ainda construiu, em 1911, uma mercearia, edifício que pode hoje ser apreciado entre a rua e travessa com o seu nome e localizada mesmo defronte à entrada para a antiga Fábrica de Conservas.
A mercearia construída por Manuel Marques Gomes |
Finalmente, a propriedade de Marques Gomes possuía um jardim ao gosto romântico, um espaço reservado para a fruição estética, de lazer e evasão, próximo da ala norte da casa, e onde podia ser encontrado um lago e um coreto.
"De resto, toda a nova organização do espaço, simultaneamente residencial e produtiva, revela o temperamento de um proprietário dinâmico mas muito concentrado na qualificação do seu habitat particular. Conjugava inúmeras questões práticas associadas à rentabilidade dos empreendimentos com a qualidade das funções lúdicas no interior do recinto privado, em benefício particular da família. Foi assim que surgiu uma imensa mata nas pendentes mais abruptas da vertente noroeste e sinuosos caminhos entre arborização exótica ligando a casa e os seus anexos próximos ao engenho de extracção e elevação de água, junto ao lago, às cocheiras, ao coreto e às restantes instalações do complexo." (TAVARES: 2015, 19-21)
Fachada norte do Palacete Marques Gomes |
É de salientar que também o seu irmão Joaquim edificou uma casa, a que o povo deu o nome de Palacete Pequenino, no flanco nascente da mesma colina.
FILANTROPIA
Marques Gomes podia ter sido simplesmente um empresário de êxito, um torna-viagem de sucesso senhor de uma riqueza fabulosa. Porém, ao ter colocado uma parte da sua fortuna ao serviço do concelho gaiense, e da freguesia de Canidelo, em particular, garantiu que o seu nome se perpetuasse neste território. Esta opção, aliás, é semelhante à adoptada por outros emigrantes enriquecidos no estrangeiro, entre os quais se encontram os brasileiros torna-viagem da segunda metade do século XIX ou primeira do século XX.
Enquanto novos-ricos, sem nome ou história familiar que falasse por eles, o seu programa consistia na adopção de medidas altruístas e beneficentes que permitissem legitimar simbolicamente o seu novo estatuto perante a comunidade.
Enquanto novos-ricos, sem nome ou história familiar que falasse por eles, o seu programa consistia na adopção de medidas altruístas e beneficentes que permitissem legitimar simbolicamente o seu novo estatuto perante a comunidade.
Assim, e apesar de ter sido um capitalista de sucesso, é certamente devido à sua acção benemérita que Marques Gomes é hoje recordado em Canidelo. Senão vejamos. A escola primária da freguesia foi financiada integralmente com o seu dinheiro. Hoje o edifício já não existe, tendo sido derribado para a construção de um prédio. Durante muito tempo, contudo, foi lá que muitos canidelenses fizeram a sua instrução primária.
A antiga escola primária fundada por Manuel Marques Gomes. Fotografia retirada do blog "Canidelo, Gaia, Minha Terra Querida" |
O campo de jogos do Sport Clube de Canidelo, inaugurado, tal como o clube, em 1924, e hoje baptizado com o seu nome, ficou a dever-se igualmente à iniciativa de Marques Gomes.
Foi também com o seu dinheiro que diversas obras de beneficiação da igreja de Canidelo foram realizadas. Entre estas destaca-se o projecto de reconstrução da capela-mor e da sacristia, no sentido da ampliação dos edifícios, datado de 1929 e levada a cabo pela Comissão de Obras na Igreja da Freguesia de Canidelo, entidade representada precisamente por Marques Gomes no requerimento feito à Câmara Municipal.
Mas Marque Gomes esteve também envolvido na fundação da Santa Casa da Misericórdia de Gaia, datada de 26 de Junho de 1929, pertencendo ao seu grupo de fundadores e considerado benemérito da instituição após o seu falecimento. A circular que reproduzimos de seguida foi retirado do site da Santa Casa da Misericórdia de Gaia, e entre os seus signatários encontra-se Manuel Marques Gomes.
Finalmente, a construção do apeadeiro do caminho de ferro de Coimbrões, aquele que mais directamente serve a freguesia de Canidelo, já que as estações mais próximas são as de Madalena e das Devesas, ficou a dever-se também à acção determinada de Marques Gomes.
Circular enviada aos portugueses na América a solicitar apoio para a criação da S.C.M.G. |
Finalmente, a construção do apeadeiro do caminho de ferro de Coimbrões, aquele que mais directamente serve a freguesia de Canidelo, já que as estações mais próximas são as de Madalena e das Devesas, ficou a dever-se também à acção determinada de Marques Gomes.
Aspecto actual do apeadeiro de Coimbrões |
Sensível à importância de tal equipamento para as pessoas de Canidelo, Marques Gomes contribuiu para o efeito com a cedência de um terreno de que era proprietário, para além de ter construído unicamente com fundos seus a Rua Comércio do Porto, que dá acesso ao referido apeadeiro.
A rua Comércio do Porto, que dá acesso ao apeadeiro de Coimbrões |
A sua acção benemérita não foi esquecida pela Junta de Freguesia de Canidelo que, em 2004, inaugurou um monumento evocativo da sua memória, composto por um busto e um barco estilizado, da autoria do escultor Daniel Silva, e que pode ser visto mesmo em frente ao campo de jogos do Sport Clube de Canidelo.
A sua memória encontra-se também salvaguardada na toponímia da freguesia existindo uma Rua, uma Vereda e uma Travessa com o seu nome, todas no lugar da Alumiara.
Os restos mortais de Manuel Marques Gomes encontram-se no jazigo de família, localizado no cemitério do Meiral.
O jazigo onde se encontram os restos mortais de Manuel Marques Gomes |
DEPOIS DE MARQUES GOMES
Depois da morte de Manuel Marques Gomes, em 1932, o palacete e restante propriedade passaram para as mãos de Manuel Pereira Júnior, apesar de ele nunca lá ter habitado de forma permanente, já que residia em Lisboa.
Em 1941 este industrial construiu uma nova fábrica de conservas, na vertente norte da sua propriedade, num espaço encostado ao rio Douro, substituindo estruturas prévias que lá se encontravam da responsabilidade de Marques Gomes. O projecto da nova fábrica ficou a cargo do arq. António Varela, distinguindo-se pela modernidade das suas instalações, orientadas para o processamento mecânico e o fabrico em cadeia, e que funcionou até meados da década de 80.
A Fábrica de Conservas Pereira Júnior. Fotografia retirada do site do restaurante Can the Can |
A fábrica tinha um cais de embarque por onde chegava o pescado, de que resta aliás ainda um vestígio. O mesmo cais de embarque esteve posteriormente ao serviço de um estaleiro naval.
Aspecto actual do que resta do cais |
Para a realização deste texto fizemos uma entrevista ao Sr. Francisco Bernardo, uma pessoa que viveu enquanto novo na Quinta de Marques Gomes. O seu pai, Manuel Bernardo, foi jardineiro da propriedade desde meados da década de 50 do século passado, tendo lá habitado, numas dependências da casa, com sua mulher e filhos, até finais da década de 60, isto tudo numa época em que o palacete era pertença de Manuel Pereira Júnior. Francisco Bernardo recorda o fascínio que a casa e respectiva mata lhe causavam, lugar de inesquecíveis brincadeiras juvenis, tantas vezes partilhadas com o filho dos caseiros.
O Sr. Francisco Bernardo |
Curiosamente, para além de ter morado na quinta, a instrução primária de Francisco Bernardo foi também realizada na escola fundada por Marques Gomes.
O ambiente teatral em que a casa foi erguida, no topo de uma colina, protegida então por uma mata, avivou a imaginação de muita gente. Francisco Bernardo recorda-se das histórias contadas pelo povo narrando que, em certas noites, o fantasma de Manuel Marques Gomes aparecia montado num cavalo branco às voltas pela sua propriedade.
A Quinta de Marques Gomes é hoje pertença do fundo de investimento imobiliário Imogestão, gerido pela Selecta, uma sociedade gestora de fundos de investimento Imobiliários.
O projecto de arquitectura, a cargo do gabinete Barbosa & Guimarães Arquitectos, prevê a construção de moradias unifamiliares, habitações colectivas e espaços dedicados ao serviços e comércio. As obras de infraestruturação estão concluídas, não se tendo ainda dado início, contudo, à construção dos lotes.
BIBLIOGRAFIA
GOMES, J. Costa - Há 60 anos, em Canidelo, morreu o benemérito Manuel Marques Gomes. In Boletim da Associação Cultural Amigos de Gaia. nº 34 (Dezembro, 1992). pp. 47-50.
SARAIVA, José da Costa - Canidelo no passado e no presente. Vila Nova de Gaia: Fábrica da Igreja Paroquial de Santo André de Canidelo, 1995.
TAVARES, Domingos - Palacete Marques Gomes. Porto: Dafne, 2105. (Equações da Arquitectura; 36)
Gostei do artigo e das imagens. Sou sócia da Associação Cultural Os Amigos de Gaia, também. Num dos Boletins à fotografias do interior do palacete. Parabéns pelo blog.
ResponderEliminarMuito obrigado pela sua opinião. Conheço o artigo onde aparecem as fotografias do interior da casa. Era realmente espectacular.
EliminarBom artigo, Pedro.
ResponderEliminarQuando observo a colina sem árvores com o casarão devoluto e solitário lá no alto, no local onde outrora existiu a Quinta de Marques Gomes, não posso deixar de sentir alguma desolação. A Câmara de Gaia teria feito melhor à memória de Marques Gomes se tivesse querido preservar a quinta, legando-a à cidade como parque urbano, em vez de lhe erigir um monumento disperso e inexpressivo numa rotunda rodoviária de Canidelo.
Vem a propósito a crónica de Paulo V. Araújo, publicada no blogue Dias com Árvores em 2005, onde o autor, para além de abordarr a questão do parque, refere as espécies arbóreas então existentes na quinta. Estas árvores foram barbaramente abatidas em 2012, numa acção que foi justificada à imprensa, como “desmatamento”.
Eis o texto:
«(...) a Câmara de Gaia abdica da oportunidade de construir um valiosíssimo parque urbano com cerca de 30 hectares, integrando zonas húmidas ribeirinhas, campos agrícolas fertéis e uma vasta mata, em troca de mais uma urbanização megalómana. É a história do costume, com a agravante de Gaia, um dos concelhos mais extensos e populosos do país, ser também um dos mais pobres em espaços verdes: no seu miolo urbano há dois únicos e pequenos jardins públicos, o do Morro e o Soares dos Reis. O Parque Biológico de Gaia e a Estação Litoral da Aguda, duas notáveis realizações no domínio ambiental, não podem servir de eterno álibi a esta despreocupação camarária com a qualidade do espaço público concelhio.
Uma longa alameda, sombreada por alinhamentos de tílias afogadas em vegetação daninha, conduz do portão de entrada da quinta, na zona alta do Canidelo, à grande mansão abandonada, a que altivas palmeiras-das-Canárias ainda fazem guarda de honra. O palacete foi usado, entre 1975 e 1991, por uma cooperativa de ensino e como sede de uma associação popular, e terá sido nesse período que os canteiros ajardinados em seu redor foram substituídos por placas de cimento. Em volta do pátio, grandes árvores ornamentais recordam a antiga opulência: tílias de porte formidável, uma melaleuca, araucárias, um metrosídero monumental enfeitado com cachos de raízes aéreas. E pela encosta abaixo, descendo suavemente em direcção ao Douro, mas tão densa que dele não permite o menor vislumbre, estende-se a mata... de acácias, numa demonstração conclusiva da ameaça que esta árvore, capaz de obliterar em poucos anos toda a concorrência, representa para a floresta portuguesa. A dada altura o caminho desemboca em campos agrícolas cultivados, e a vista alarga-se até ao rio. Adivinham-se já os folhetos promocionais anunciando as vistas privilegiadas... para quem as puder pagar, quando este panorama único, embalado num silêncio raro, for tapado pela cortina de prédios que “requalificará” a zona baixa da quinta.»
(http://dias-com-arvores.blogspot.pt/2005/02/visita-quinta-de-marques-gomes.html)
Obrigado pelo comentário Carlos. E vem bem a propósito. É realmente triste olhar para aquele cenário que faz lembrar uma cratera aberta no meio da paisagem. Vai-se perder irremediavelmente a memória do que foi aquele espaço, sobrando apenas o palacete, no alto da colina, completamente descontextualizado do meio envolvente. Assim se vai construindo cidade, com rupturas violentas que não autorizam que o passado dialogue com o presente. A propósito, estou mesmo a finalizar um post acerca da Cerâmica das Devesas que é outro dos grandes problemas da cidade de Gaia. Um património valioso que se encontra num estado deplorável e em risco de desaparecer. Um abraço.
EliminarDoutor Pedro Rego;
EliminarBelíssimo artigo pelo qual lhe dou os maiores parabéns. Foi muito positivo emocionalmente, para mim, o facto de o ter lido. Residi neste local do Palacete na meninice e, nele comemorei num casamento de um familiar. Na Alameda principal dos seus jardins participei com um conjunto musical nas Carmesses de verão da Assoc. Recreativa de Alumiara entre os anos 1964 e 1967, "Conjunto Sol Nascente", em matinês e soires dançantes. No Blogue "CanideloMinhaTerraQuerida" escrevi um pequeno texto sobre Manoel Marques Gomes e sobre este palacete além de ter publicado algumas fotografias destes e do lugar de Almeara, onde lavrei também alguns poemas de minha autoria a este lugar e à freguesia de Canidelo.
Bem-Haja ao seu artigo e a meu amigo, se assim o posso chamar.
Manuel Joao Monteiro, também,
João Queiros Monteiro, com o pseudônimo de João da mestra
Olá Sr. João da Mestra. Muito obrigado pelo seu comentário. É motivante conhecer opiniões de pessoas como o Senhor, conhecedoras que são da história da freguesia de Canidelo, como tive a oportunidade de ver ao consultar o seu blog. Gostava de ficar com o seu e-mail para, no futuro, o poder contactar. É sempre uma ajuda preciosa contar com o apoio de quem tem memória do passado da nossa terra. Pode dizer-me qual o seu endereço electrónico escrevendo para o meu mail (pedromartinsrego@gmail.com) ou, se preferir, indicando-o aqui mesmo na caixa de comentários.
EliminarObrigado e um grande abraço.
Caro amigo e Senhor Dr. Pedro Rego; existem em nossas mentes coisas que nos vêm desde criança, através dos tempos, que, por mais anos que se passem nunca as esquecemos. No que a isto diz respeito e, entre tantas recordações de minha instrução primária na escola Manoel Marques Gomes, entre 1957 e 1960, recordo da existência de três quadros pendurados na sala de aulas que diziam respeito ao do Exmº Presidente da República e do Exmº Primeiro Ministro da época e, entre eles, o quadro com a fotografia do Exmº Senhor Manoel Marques Gomes com o respetivo nome assim escrito por baixo. Pessoa esta que aqui tratamos e, pessoa esta que naquela escola sempre teve direito a aulas a si dedicadas, aulas que o bem recordavam. Em respeito ao seu nome de Manoel bem recordo a aula sobre ortografia; - os nomes de pessoas não sofrem modificação, alteração no seu Registo Civil, logo, não sofrem diferente ortografia, por acordos ortográficos posteriores. Eu sou Manuel, nasci em 1951.
EliminarMuito atenciosamente e sempre ao dispôr
Manuel João Monteiro
- Joaodamestra
mjoaosmonteiro@gmail.com
Apesar de ter 19 anos, o Palacete sempre me suscitou uma grande curiosidade, principalmente pela sua beleza, a sua localização e mistério que transmite. Estou a realizar um projeto para a faculdade onde tenho de recuperar um local importante abandonado e torná-lo importante para o turismo, preservando o local e trazer mais receitas para a freguesia.
ResponderEliminarO seu artigo ajudou me bastante para realizar o meu projeto, e também me ajudou a perceber mais sobre este Grandioso Homem que Canidelo teve o privilégio de conhecer como também aprendi mais sobre a história da maravilhosa Quinta do Montado. Obrigada e muito sucesso.
Cada vez que leio algo referente a Manoel Marques Gomes, sinto cada vez mais orgulho em ser sua bisneta!
ResponderEliminarBoa noite Fátima, se me permite esta proximidade de tratamento. Tenho na minha memória, desde criança, histórias encantadoras do seu bisavô que seria dos conhecimentos da minha trisavó (Ana Francisca de Almeida) e bisavó (Maria Francisca de Almeida). Também elas, embora em menor escala, mulheres de imensa força, trabalho e de grande generosidade para com os locais. Éramos confinantes em alguns terrenos em
EliminarCanidelo, terra que adoro, de que descendo desde há séculos e que ainda hoje é o meu porto seguro que me traz a paz e a tranquilidade que preciso nos momentos menos felizes. Gostava muito de poder falar consigo. Se puder e tiver a oportunidade de me dispensar uns minutos ficava-lhe muito grata.
Mariana